Experienciando e vivendo por dentro a preparação, o desenrolar e o epílogo destas nossas Festas seculares do Senhor Santo Cristo dos Milagres, é sem dúvida um momento único e gratificante que vale a pena partilhar.
A Festa nas suas duas grandes vertentes, a religiosa como foco central da nossa espiritualidade e a profana com os seus momentos de confraternização, consegue conjugar e projectar quase sem limites, uma ligação profunda, genuína e muito açoriana deste nosso povo à dimensão divina, através de uma imagem muito humana e em sofrimento, do homem Santo que é Jesus para o Cristo que é o Messias. Ele é o Filho do Homem. Ele é o Filho de Deus.
E é nesta imagem única e icónica, com o seu olhar amoroso e sofrido na paixão, que Cristo revela o seu amor incondicional por nós e a sua misericórdia sem limites. E é também por ela e para ela que nós os crentes sem distinção de classes e origens, nos dirigimos ao Santuário da Esperança para contemplar, rezar e estar com o Senhor Santo Cristo, venerando e reverenciando a sua imagem, colocada no nosso caminho da vivência açoriana.
Não precisamos de ser convidados ao Paço do Senhor. Só precisamos de vir ao seu encontro, e no seu silêncio abrir o nosso coração. Esse silêncio é o alimento para a alma. Com ele ficamos fortalecidos e renovados. Quem não sentiu?
Assim, mais uma vez e agora nas Festas de 2023, somos impelidos a dar testemunho vivo da nossa religiosidade e da nossa Fé vibrante, nos grandes momentos de oração, nas celebrações eucarísticas, nas vigílias, nos rituais internos, nos momentos de reflexão, nos sermões profundos e eloquentes, nos encontros com o clero, na saída da imagem à volta do Campo e na grande procissão de Domingo.
Estes são os grandes momentos visíveis a todos quantos queiram participar, mas a par destes existem outros que são verdadeiros testemunhos de humanidade, que se tornam imagens vivas da nossa singularidade de povo simples, genuíno e cristão.
No imigrante que regressa à sua terra natal após anos de afastamento. No homem que na passagem da imagem do Senhor S. Cristo se emociona até às lágrimas. Na mulher que sobe o adro de joelhos para ir tocar o andor e presentear o Senhor com flores. No rapaz forte que percorrendo o tapete de pedra do Campo de S. Francisco em dia muito soalheiro, pára, prostra-se e beija o chão. Na miúda pequenina, que saindo do seu lugar à revelia da mãe e após a passagem do andor, colhe meticulosamente as pétalas das rosas vermelhas que serpenteiam o chão. Do irmão velhinho e fragilizado por uma vida sofrida, que lá no seu cantinho, olha e admira o Senhor. Talvez até perguntando no seu íntimo: “Senhor porque não me ouves? Porque cheguei aqui? Ajuda-me neste infortúnio”!
Senhor Santo Cristo que nas incertezas e adversidades da vida dás-nos força e coragem. Senhor que nos elevas ao Pai através desta imagem de sofrimento e de consolação. Ensina-nos a humildade. A sermos gente prudente. A termos cautela nas nossas afirmações, muitas vezes infundadas. A não lançarmos a calúnia e o boato fácil. A procurarmos estar bem informados antes de proferirmos julgamentos sumários na via pública. A procurarmos saber a verdade dos acontecimentos. A evitar a maledicência muito em moda nas redes sociais. Muitas vezes no anonimato, outras sem contraditório.
Estes momentos de religiosidade e muita fé, deveriam suscitar em nós o espírito de entreajuda, da partilha, do dar sem medida antes do muito possuir, acordando o sentido da verdadeira Irmandade.
Estas foram Festas de grande participação. De devoção. De um sucesso pleno. De apresentação do nosso novo Bispo e Pastor Sr. D.Armando Domingues que nas suas homilias eloquentes e no convívio com todos nós, nos deu esperança de uma nova igreja, renovada e actuante nos Açores. Bem-haja Sr. Bispo.
Como nunca é demais repetir, uma palavra de apreço e de felicitações a todos os que tornaram possível a realização deste grande evento religioso e profano. Ao povo anónimo com todo o seu civismo; aos obreiros no convento e santuário; aos artistas; aos que enfeitaram os templos e os passos por onde passou o Senhor S. Cristo com a beleza das flores e o odor das verduras; aos coros que abrilhantaram as cerimónias; às senhoras que ano após ano e incansavelmente montam e organizam o interior do bazar; à Câmara Municipal pela manutenção e acção atempada na higiene e limpeza dos espaços públicos; aos agentes da polícia de segurança pública; aos bombeiros; aos escuteiros e a todos os voluntários que deram o seu tempo e muito trabalho com alegria e dedicação.
E para finalizar gostaria de dar os parabéns a toda a equipa do Santuário, a todos os irmãos da Irmandade do S.S.Cristo e à sua Mesa, nas pessoas do Sr. Reitor Cónego Adriano Borges e Sr. Provedor Sr. Carlos Faria e Maia, rostos visíveis da organização, que têm o peso da responsabilidade e que muitas vezes são alvo da crítica destrutiva e maledicente. Merecem todo o nosso apoio.
Para o ano e se por cá estivermos, seremos seguramente seduzidos a fazer mais e melhor, sempre em diálogo com todos aqueles que vierem por bem.
Citando alguém que se julga ter sido Winston Churchill, “O sucesso nunca é definitivo e o fracasso nunca é fatal. É a coragem que conta”.
A todos um bem-haja. As nossas Festas este ano foram um sucesso.
José Rodrigues
Ponta Delgada, 19 de Maio de 2023
(artigo escrito de acordo com a antiga ortografia)